sexta-feira, abril 06, 2012

OUTRO PAÍS


EDITORIAL ZERO HORA

Os brasileiros poderiam estar celebrando hoje a decisão da Comissão de Assuntos 
Econômicos do Senado (CAE) que, pressionada pela indignação popular, aprovou a
extinção de uma vantagem espertamente incorporada aos vencimentos dos
parlamentares – o subsídio conhecido no Congresso e em diferentes Estados como
auxílio-paletó. Mesmo significativo, esse pequeno passo fica ofuscado diante de uma
declaração do senador Cyro Miranda (PSDB-GO), em meio ao debate: “Tenho pena
daquele que é obrigado a viver com R$ 19 mil líquidos com a estrutura que temos aqui”.
 A afirmação fere mais de 99% dos brasileiros, pois apenas uma pequena parcela tem
 ganhos compatíveis com a faixa referida. E contribui para dar ainda mais trânsito à
visão popular de que Brasília é uma ilha da fantasia, e de que osdeputados e
senadores vivem em outro país.

Além de receber 15 salários anuais nesses patamares e de se omitir em relação à
imensa maioria com direito a apenas 13 vencimentos em níveis bem mais modestos,
um parlamentar como o senador goiano sequer paga o que deveria de Imposto de
Renda sobre essas benesses. A explicação está no fato de deputados e senadores
tratarem essa regalia instituída há quase sete décadas sob rótulos disfarçados, como
ajuda de custo ou auxílio-paletó, e não como salário. A Constituição de 1988 não faz
menção a essa vantagem criada na Carta de 1946. Mesmo assim, deixou brechas
para a questão ser regularizada por ato conjunto de 2003, assinado pelas mesas
diretoras da Câmara e do Senado.

Apenas no Congresso, os dois salários extras que só agora a mobilização popular
vem conseguindo colocar em xeque significam um gasto anual de R$ 31,7 milhões.
O valor semultiplica pelo fato de a prática se disseminar por Assembleias de diferentes
Estados, que resistem em abrir mão do privilégio, mesmo pressionadas pela opinião
pública e pelo Judiciário. A essas vantagens, no caso do Congresso, se somam outras
distantes das percebidas pela maioria dos trabalhadores. É o caso do auxílio-moradia
e da verba para uso na aquisição de passagens aéreas, entre muitas outras, que
acabam contribuindo para reforço dos ganhos mensais.

Só o excesso de regalias – como é o caso do 14º e do 15º salários pagos pelo
Congresso sobnomes como auxílio-paletó – pode explicar a compaixão de um
parlamentar por quem é obrigado a viver com R$ 19 mil líquidos por mês. Há alguns
dias, na discussão sobre o mesmo tema, o senador Ivo Cassol (PP-RO) chegou a
afirmar que “político no Brasil é muito mal remunerado”. A visão deformada da
realidade por parte dos parlamentares parece demonstraro contrário. E é por isso
que só uma mobilização organizada e permanente por parte da sociedade poderá
 garantir o aval para o fim dessas anomalias também nos plenários do Senado e
da Câmara.

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