quinta-feira, maio 10, 2012

PRESENÇA DESCONCERTANTE



Nada pode ser considerado mais frustrante para os brasileiros com memória política do
que a presença do ex-presidente Fernando Collor entre os integrantes da Comissão 
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) criada para investigar as relações do contraventor
Carlinhos Cachoeira com o setor público. O ex-presidente não se constitui num caso
único nesta CPI atípica, pelo fato de sua criação ter sido defendida por governistas e não
pela oposição, como costuma ocorrer: um em cada três de seus integrantes, definidos
na última semana, já esteve exposto a algum tipo de denúncia em sua vida política, com 
acusações que vão de fraude em licitações a desvios no uso de passagens aéreas. 
Por essas razões, o desafio da apuração parlamentar, ainda numa fase incipiente, será
o de ultrapassar sua condição de mero instrumento contra alegados desafetos políticos e
ir realmente a fundo, com o máximo de isenção, nas investigações.

Diante da gravidade dos fatos que lhe deram origem – um esquema criminoso com 
tentáculos ligando interesses privados aos de diferentes poderes em âmbito municipal, 
estadual e federal –, a chamada CPI do Cachoeira reúne condições de se equiparar a 
outras estruturadas sob desconfiança e que resultaram em contribuições importantes 
para o país. É o caso, entre outras, da CPI dos Anões, a partir da qual os brasileiros 
tomaram consciência do nível de manipulação do Orçamento, e mais recentemente, das investigações no Congresso que desvendaram o esquema do mensalão. É o caso, 
igualmente, da que levou à inédita deposição do então presidente Fernando Collor.
Hoje, depois de ter cumprido a sentença política que lhe foi imposta e de ter sido 
legitimamente reconduzido à função parlamentar, pelo voto livre de seus eleitores, 
o ex-presidente está no papel de investigador. O simbolismo de sua presença numa CPI,
sem nunca ter pedido desculpas à nação pelo seu desgoverno, reduz a seriedade da
 investigação.

Além da incômoda presença do ex-presidente no papel de inquiridor, em meio a outras
 figuras controversas, a CPI do Cachoeira oferece outras razões para desconfiança por
parte dos brasileiros. De seus 63 integrantes, entre deputados e senadores, 41 militam
em partidos da base aliada,14 são de oposição e os demais são independentes. 
Em tese, isso permitiria a aliados do governo manter a investigação sob controle e, em consequência, conduzi-la não para uma apuração isenta, mas para objetivos como o de
 diminuir a importância do mensalão, por exemplo.

Uma CPI integrada por tantos parlamentares que já foram alvo de denúncias, entre os 
quais o ex-presidente Fernando Collor, precisa demonstrar ainda mais determinação 
que as anteriores para garantir credibilidade perante a sociedade. Sem esse cuidado,
 o risco é de o saldo dos trabalhos da investigação se limitar a mero diversionismo, 
desgastando ainda mais o instrumento da CPI.

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