JF Diorio/AE
Com o plenário vazio, painel registra presença massiva
Servidor há 30 anos, Zé Careca usa senhas exclusivas dos vereadores.
Basta um telefone ou SMS para que assessor - que ganha R$ 23 mil - e
3 outros funcionários assumam tarefa restrita a parlamentares
Adriana Ferraz / Diego Zanchetta / J.F. Diorio / Juliana Deodoro -
O Estado de S.Paulo
A rotina na Câmara Municipal é a mesma toda terça, quarta e quinta-feira,
quando a capital ganha seu 56.º vereador. O parlamentar extra é o assessor
José Luiz dos Santos, o Zé Careca, apontado como “chefe” do esquema que
frauda o painel eletrônico. Sentado a cerca de 2 metros do presidente da
Casa, José Police Neto (PSD), ele acessa o sistema com senhas pessoais de
vereadores, garante o número necessário de presenças para abrir sessões e
pode até votar.
Careca lidera uma equipe de pelo menos outros três fraudadores, que mantêm
o controle das marcações em listas feitas à mão. Fotos feitas pelo Estado
mostram que o grupo recebe a ordem para cometer a irregularidade por telefone
ou SMS.
Celulares ficam sobre a mesa e basta um toque para mais um nome surgir no
painel, sem que ninguém entre no plenário. Em outros casos, servidores telefonam
aos gabinetes em busca de autorização para marcar a presença.
Funcionário da Câmara há mais de 30 anos, o assessor trabalha no plenário desde
1994, quando entrou para a lista de homens de confiança dos parlamentares.
A qualquer momento, mesmo em fins de semana e feriados, Careca está disposto
a resolver “pepinos de vereadores”. Seu salário é de cerca de R$ 23 mil.
O servidor caiu nas graças de todas as últimas presidências do Legislativo.
Bases
governistas de Paulo Maluf (PP) a Gilberto Kassab (PSD) contaram com a
habilidade do assessor no comando da Mesa Diretora. No segundo semestre de
2008, por exemplo, foi Zé Careca quem coordenou a transição da lista de presença
em papel para a verificação em painel eletrônico.
De ternos bem alinhados e relógios de grife, o assessor tem fama de workaholic –
chega cedo e vai embora após 21h. É tão próximo dos vereadores que, em alguns
casos, o pedido de marcação de presença chega a ser feito a Careca em voz alta
pelo parlamentar, sem constrangimento.
No dia 27, durante sessão ordinária, o grupo de Careca marcou presença para
Wadih Mutran (PP), Juliana Cardoso (PT) e Juscelino Gadelha (PSB), entre outros
ausentes. O esquema é ofertado a todos, independentemente do partido.
No Palácio Anchieta, a tecnologia facilita a fraude. Além dos 55 terminais – um de
cada vereador –, há pelo menos mais 8 espalhados pela Mesa Diretora e um na
chamada sala secreta. Dessa lista, um fica escondido em uma gaveta, aberta
sempre que há marcação irregular.
Funcionários digitam a senha que identifica o vereador, apertam “entra” e
imediatamente o nome surge no painel eletrônico. Careca tem tanta prática que
nem precisa olhar a máquina. Tem senhas decoradas e marca nomes em
segundos. O Estado telefonou para ele na sexta, mas o assessor não atendeu.
A NOTÍCIA:
Vereadores fraudam painel eletrônico na Câmara
de São Paulo
Marcações fantasmas forjam quórum e até aprovações de
projetos de lei
Adriana Ferraz / Diego Zanchetta / J.F, Diorio / Juliana Deodoro
O Estado de S.Paulo
O Estado de S.Paulo
garantir votos e presença quando estão fora do plenário. Nas últimas três semanas,
o Estado flagrou pelo menos 17 dos 55 parlamentares praticando a irregularidade,
ao longo das 20 sessões realizadas no período. Funcionários da mesa da
Presidência utilizam um terminal de uso exclusivo dos parlamentares para marcar
os nomes dos envolvidos e evitar descontos na folha de pagamento.
Cada falta custa R$ 465.
Fotos, filmes e gravações de áudio recolhidos pela reportagem mostram que a maioria
dos vereadores não registra as presenças pessoalmente. Basta a sessão começar
para os nomes pipocarem no painel, mesmo com as cadeiras vazias. Até quem está
na Casa comete a fraude, usando um dispositivo instalado ao lado do elevador
exclusivo dos parlamentares, que permite a marcação secreta. Com o nome garantido
no sistema, alguns saem para participar de eventos externos ou reuniões partidárias
nos gabinetes.
A fraude na marcação da presença de vereadores ainda possibilita a formação de
quóruns falsos e, consequentemente, a aprovação irregular de projetos de lei por meio
de votações simbólicas – procedimento adotado quando não é exigido o registro do
voto nominal.
Juristas ouvidos pelo Estado, como o professor de Direito Constitucional da USP
José Afonso da Silva, afirmam que, se o vereador tem o nome no painel, mas não
está fisicamente no plenário da Câmara Municipal, todo ato permitido a partir daquela
irregularidade pode ser considerado nulo.
No dia 20 de junho, marcações fantasmas ajudaram a tornar lei 18 propostas.
A prática é considerada crime e quebra de decoro parlamentar. E pode levar até a
cassação do mandato, com suspensão dos direitos políticos dos envolvidos.
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