OPINIÃO O Estado de S.Paulo
Brasília é o hábitat natural da elite da classe política, representada pelos nobres
parlamentares federais. Vivem ali muitos desses ilustres representantes do povo -
pelo jeito, a maioria - numa espécie de mundo da fantasia que construíram para seu
deleite, apartado da realidade cotidiana e frequentemente conflitante com o senso
comum. Vivem indiferentes ao fato de, do outro lado da Praça dos Três Poderes, o
Judiciário dar inequívocas demonstrações de que o País está perdendo - se já não
perdeu - a paciência com o comportamento ominoso e ultrajante dos maus homens
públicos que se julgam no direito de inventar uma nova "ética" no trato da coisa pública.
E cometem, sem o menor pudor, nova e escandalosa afronta à probidade, jogando a
conta do abuso no colo do contribuinte.
O leitor atento certamente se dará conta de que já leu o texto acima.
O leitor atento certamente se dará conta de que já leu o texto acima.
É verdade. Foi o que escrevemos neste espaço há menos de dois meses, sob o
título "Enquanto isso, no Senado...", quando a Mesa Diretora da Casa, à frente o notório
José Sarney, anunciou a intenção de pagar ela mesma - ou seja, transferindo o prejuízo
para o contribuinte - o calote de R$ 11 milhões aplicado pelos senadores no Imposto de
Renda (IR). Na terça-feira passada os caloteiros sacramentaram a mamata.
Confirmaram a escandalosa notícia.
É inacreditável, para dizer o mínimo, a insensibilidade com que os 84 senadores jogam
um balde de água fria no entusiasmo e no sentimento de alívio com que o cidadão
brasileiro comemora uma decisão histórica do Poder Judiciário que parece sinalizar
o fim da ancestral impunidade dos poderosos. Impecável e impassivelmente envergando
seus colarinhos brancos, os 84 senadores, alguns por habitual esperteza, outros por
covarde omissão, não precisaram mais do que um minuto, 60 segundos, para se
calarem, olharem para o outro lado, fingirem que nada estava acontecendo e permitirem
a ratificação do abominável Ato n.º 14 da Comissão Diretora da Casa.Dispõe a medida,
em seu artigo 1.º: "O Senado Federal, na condição de responsável tributário, procederá
ao pagamento do Imposto de Renda incidente sobre os valores percebidos pelos
senadores a título de ajuda de custo, referentes aos exercícios financeiros anteriores à
edição do presente Ato, respeitada a prescrição quinquenal".
Chama a atenção a maneira, digamos, sutil, como o texto do Projeto de Resolução ora
Chama a atenção a maneira, digamos, sutil, como o texto do Projeto de Resolução ora
aprovado expõe a matéria. Não há nenhuma referência explícita, direta, ao fato de que o
Senado vai pagar o IR que deveria ter saído do bolso dos senadores. A referência é
indireta, ao Ato n.º 14, de setembro último, que decidiu pelo pagamento e que "regula o
entendimento sobre a natureza jurídica da parcela prevista no art. 3.º do Decreto
Legislativo n.º 7, de 1995". Foi esse decreto que criou os salários extras extintos em
setembro.
Para lançar o prejuízo na conta da viúva, a Mesa do Senado recorre a uma série de
Para lançar o prejuízo na conta da viúva, a Mesa do Senado recorre a uma série de
argumentos, inclusive uma decisão da Segunda Turma do STJ, prolatada em fevereiro
do ano passado, que dá apoio à tese de que os chamados 14.º e 15.º salários que até
recentemente eram pagos aos parlamentares (sobre os quais não foi recolhido IR) têm
caráter indenizatório e por este motivo sobre eles não incide Imposto de Renda.
A matéria talvez seja discutível do ponto de vista legal. Mas isso não elide a
responsabilidade eminentemente política do Senado Federal, a quem a Constituição
atribui funções legiferantes e fiscalizadoras. E ter responsabilidade política significa,
entre outras coisas, dar o bom exemplo.
Não é, portanto, sensato, nem justo, e muito menos democrático - para não falar em
Não é, portanto, sensato, nem justo, e muito menos democrático - para não falar em
decente -, que aqueles sobre cujos ombros recai a responsabilidade de legislar o
façam em benefício próprio, especialmente quando se trata do pagamento de impostos.
E justo num país cuja máquina arrecadadora é implacável com os cidadãos comuns e
tem uma das mais pesadas cargas tributárias do planeta. A manifestação dessa
ignominiosa esperteza - a de legislar em causa própria para transferir para o contribuinte
o ônus da sonegação fiscal -, esse cínico dar de ombros à probidade por parte de quem
deveria zelar por ela, isso é tudo o que a cidadania precisa para se desencantar de vez
com as instituições republicanas.
Até quando os Brasileiro vão aturar essa cambada de sacanas. Esses ditos "senadores" por isso não tem moral para elaborar lei fortes contra outros delinquentes traficantes ou qualquer outro criminoso, porque falta pouco para serem delinquentes já que se escondem por trás das leis. Aqueles que acusavam os militares de crimes contra o povo, são os que hoje cometem crime contra o povo porque se utilizam do sistema legal para se manterem escondidos na locupletação.
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