quarta-feira, dezembro 04, 2013

Ausência de pudor


*Denis Lerrer Rosenfield

A prisão dos condenados do mensalão está, literalmente, virando um pastelão. Montou-se toda uma encenação como se os hoje condenados, devendo cumprir com suas respectivas penas, não tivessem tido direito à defesa e fossem vítimas de uma imaginária conspiração das “elites” ou da “mídia”, eterno bode expiatório dos que almejam o controle total do poder.

Há dois tipos de questões envolvidas, uma de ordem, digamos, “humanitária”, se quisermos ser benevolentes, e outra de ordem propriamente institucional, que diz respeito ao ataque que vem sofrendo o Supremo e, em particular, o seu presidente.
A primeira é visível no caso do ainda deputado José Genoíno, apresentado como uma “vítima” e, conforme as circunstâncias, como um lutador da liberdade no período mais “obscuro” do regime militar. Esta última consideração, aliás, não resiste a uma análise mais elementar dos fatos, pois a Guerrilha do Araguaia foi uma tentativa maoísta de estabelecer no país o totalitarismo comunista.

As suas avaliações médicas, feitas por duas juntas, uma composta por especialistas da UNB, a pedido do STF, e outra por médicos da Câmara dos Deputados, tiveram como resultado que seu estado não é de cardiopatia grave, merecendo, como qualquer pessoa em sua condição, cuidados especiais. Ao contrário do que chegou a anunciar o seu advogado, não estaria tendo um “infarto”. Há um evidente superdimensionamento da doença com o intuito de criar um constrangimento político ao presidente Joaquim Barbosa.
Contudo, há algo bem mais grave aqui. O que o PT está reivindicado para José Genoino e para os seus outros presos (não se fala de outros “companheiros”, como membros de outros partidos, banqueiros, empresários e publicitários) é um tratamento privilegiado, típico das elites. O discurso de Lula se caracteriza por ser contra as “elites”, o seu comportamento e de seu partido, porém, é o de que a elite petista é diferente dos demais cidadãos.

A contradição é flagrante. O Partido dos Trabalhadores não está preocupado com os outros “trabalhadores”, mormente negros, pardos e de baixa renda, que vicejam nas prisões brasileiras. Quantos destes não precisam de prisão domiciliar? Quantos deste não necessitam de tratamento médico adequado? Silêncio total!

A questão chegou ao paroxismo quando, nas visitas, os horários e os dias estipulados não foram minimamente observados, como se petistas presos não devessem seguir as mesmas regras de outros condenados. Mulheres, mães e irmãs comuns esperando em longas filas, desde a madrugada, reclamaram precisamente dos privilégios. O Ministério Público Federal do Distrito Federal chegou a exigir isonomia de tratamento. Ou seja, a tão proclamada ideia da igualdade não vale para as lideranças petistas, a nova elite.

A situação chega a ser hilária. Pessoas de altas responsabilidades governamentais e lideranças partidárias acabam de “descobrir” que as condições de prisão no Brasil são “sub-humanas”. Ora, de súbito, tiveram uma crise de humanismo. Eis a grande descoberta após 13 anos de governo petista. O partido ficou muito mal na foto, revelando um indiscutível traço elitista.

A segunda concerne ao processo em curso de deslegitimação do presidente Joaquim Barbosa e, por extensão, do Poder Judiciário. Enquanto o julgamento do mensalão não era definitivo, contentavam-se as lideranças petistas em dizer que as decisões seriam respeitadas. No momento em que o partido foi contrariado, seus dirigentes não hesitam em enveredar para um caminho de instabilização institucional e de negação do estado de direito. Há, mesmo, ameaças de processos contra o ministro Joaquim Barbosa, exibindo um partido alheio ao respeito às instituições.

Aliás, o PT não se entende nem consigo mesmo. Segundo o seu estatuto, dirigentes partidários condenados em última instância deveriam ser expulsos do partido, não mais correspondendo às regras, de fundo moral, que deveriam reger a vida partidária. O que está acontecendo? Ninguém mais se refere aos estatutos, todos se comportando em solidariedade aos detentos, como se houvesse a figura única dos “criminosos do bem”, os que emprestam seus serviços ao partido, empregando todo e qualquer meio.

Neste sentido, não deixa de ser curiosa a defesa do deputado José Genoino de que seria um homem sem patrimônio, que levaria uma vida modesta, não tendo se enriquecido com a política. A mensagem implícita consiste em absolver qualquer desvio de recursos públicos, pois feito em nome do “valor maior” do partido.

Logo, o desvio de recursos públicos, o caixa dois, a compra de parlamentares e a corrupção são atividades lícitas sempre e quando forem para o “bem” do PT. Padrões morais universais, referências republicanas e de bem comum, entre outras formas de vida política, são considerados como secundários e irrelevantes, pois acima de todas as instituições está o partido. A corrupção partidária seria, portanto, muito bem-vinda.
As retóricas dos “presos políticos” e do “regime de exceção” situam-se, precisamente, em um comportamento político de instabilização institucional. As chances de sucesso são praticamente inexistentes, além de a própria presidente Dilma Rousseff ter-se distanciado desses arroubos ideológicos.

O Brasil vive um dos seus mais sólidos momentos de estabilidade democrática, mostrando a vitalidade do país e a plena vigência da Constituição de 1988, rigorosamente respeitada. A prova adicional disto é o fato de o próprio PT governar o país por dois mandatos de Lula e um de Dilma, esta disputando a reeleição com chances de vitória. Falar de perseguição e exceção revela apenas falta absoluta de bom senso. A piada de salão de Delúbio não tem graça na prisão.

A democracia não é um instrumento que esteja a serviço de um partido qualquer, por mais “virtuoso” que ele queira se representar. O “Bem” da República está situado acima do “bem próprio” partidário, uma lição elementar que, infelizmente, não foi ainda bem aprendida.
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