‘se malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem'.
O objetivo do presente artigo é fazer uma breve abordagem de certas práticas delituosas, que muitos, quase que inconscientemente, propagam indistintamente, haja vista ter a sociedade, de um modo geral, a elevado ao status de cultura ilícita do aceitável, o que chega a ser tormentoso e paradoxal, pois levanta uma grave questão: O padrão ético venerado por nossos concidadãos. Este texto encerra uma série de outros 03 artigos de nossa autoria, onde identificamos e abordamos entre as várias áreas do direito, alguns desses 'pequenos delitos', que preocupantemente, tem se enraizado na cultura do cidadão comum.
No cenário atual, onde o sistema político corruptivo tem sido o foco dos jornais e dos comentários em salas de aula, ambientes de trabalho, nas ruas, botequins, e até mesmo nas rodas de conversas das beatas ao final dos seus encontros religiosos ou moralistas, o tempo inteiro somos forçados a digerir esse assunto e também a refletir sobre ele.
O que mais ouvimos é que o país está soterrado numa ‘lama’ de corrupção, que os ‘petralhas’ faliram o país, que os ‘valeriodutos’ levaram o dinheiro público, ou mesmo suposições político-criminais a respeito de um certo ‘Cunha’ ou de uma senhora chamada Dilma. Seja o papo sobre as 'Dilmas' ou os 'Cunhas' do Brasil, o tema central é sempre este: o sistema corrupto instalado em nossas terras brasileiras. Outro dia, até ouvi de um renomado autor que: “entre confiar o Brasil a tucanos ou petistas, prefiro devolver aos índios e pedir desculpas”.
O sistema corrupto, sem querer adentrar em questões existenciais, certamente nasce de berço. A natureza humana tem inclinação para o mal. Nascemos assim, uns mais, outros menos. É certo que também somos fruto do meio, como já ressoava o famoso integrante do 'Valient Thorr', Karl Marx – antes de entrar para a sociologia e mergulhar de cabeça no socialismo, é claro –, e de outras maneiras, já antes dele, outros grandes pensadores - que, assim como eu, também foram músicos e inimigos mortais dos 'prestobarbas' e demais instrumentos usurpadores dos direitos do 'ogro' -, todavia, isso não vem ao caso agora.
Ademais repudiemos os ‘grandes atos delituosos’, se é que podemos assim o dizer, criamos nossa própria noção excepcionalizada do socialmente aceitável: os ‘pequenos delitos’.
Dentre os atos que a nossa sociedade passou a adotar como prática comum e reiterada está o tão conhecido “acordo de dispensa simulado”, que para muitos patrões e empregados passou ao conceito de normalidade, uma mera banalidade procedimental. Isso se dá porque, quando um empregado pede dispensa da empresa onde trabalha, este perde o direito a várias verbas pecuniárias bem consideráveis como, por exemplo, o plus de 40% a mais sobre os depósitos do fundo de garantia, e o direito de sacar o referido fundo, além de não ter direito às parcelas do seguro desemprego que, aliás, são valores bem relevantes para um ‘conceito social’ de pequenas ilicitudes.
Objetivando burlar a lei e evitar essa perda, empregado e empregador compõem um conluio dissimulado onde, literalmente, contam uma ‘mentira jurídica’, através da edição e envio de documentos rescisórios aos órgãos competentes – SINE e MTE –, de modo que, basicamente, o acordo se escora na conduta de o patrão fingir que, de modo injusto, está a dispensar o seu empregado, e este, por sua vez, endossa o teatro fraudulento, como um bom ator, que espera receber a sua parte nessa trama novelística. Feito o acordo, o empregado embolsa os valores do Fundo de Garantia e do Seguro Desemprego, retribuindo a gentileza patronal, com a devolução dos valores concernentes à multa fundiária de 40% – ou não! – o que também costuma ocorrer.
Na maioria das vezes, esse empregado nem chega a afastar-se do trabalho, ocorrendo apenas a baixa na CTPS, todavia, permanece no ofício de maneira 'informal'. Após o encerramento das parcelas assecuratórias, espera um tempo razoável – para não dar com os burros n’água –, e novamente é registrado. Tudo isso com dinheiro público, diga-se de passagem. Portanto, além dos valeriodutos, já temos uma nova modalidade corruptiva: os "empregado'dultos" - pois também levam o dinheiro público embora da mesma forma.
Os leitores mais ingênuos devem estar se perguntando se isso ocorre efetivamente no mundo real, e eu lhes digo que sim, não só ocorre, como ocorre indistintamente, no entanto, é uma prática delituosa, não apenas um ilícito trabalhista, mas um ilícito criminal, passível de ser punido com reclusão, isso mesmo, restrição de liberdade, xilindró, cadeia, xadrez – ‘segurar a pia’ – e outros tantos epítetos até mais criativos, tudo isso com fulcro no art. 171, § 3º do Código Penal Brasileiro.
A Justiça Federal da Segunda Região já se manifestou sobre isso, julgando a Apelação Criminal nº 2008.50.01.015608-8, quando assentou que "Comete crime de estelionato previsto no artigo 171, § 3º do Código Penal quem comprovadamente simula a rescisão de contrato de trabalho por dispensa sem justa causa para gerar a incidência de pagamento de seguro desemprego e possibilitar o levantamento do saldo do FGTS de modo indevido, em prejuízo dos cofres públicos."
No mesmo sentido, o Tribunal Regional Federal da 4º Região nos autos da Apelação Criminal nº 2005.70.03.000121-3, asseverou que "configura o crime de estelionato contra o erário público a demissão com simulada ausência de justa causa, para a indevida liberação do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, bem como para obtenção do seguro-desemprego, fatos demonstrados nos presentes autos."
Essa malfadada cultura criminosa, no entanto, vem sendo mais combatida, e quando isso tem ocorrido, constando-se a prática nos autos, os magistrados trabalhistas têm adotado a postura de notificar formalmente a Polícia Federal e o Ministério Público Federal sobre o possível crime cometido pelo trabalhador, e a partir daí correrá a investigação criminal e posteriormente haverá o encaminhamento da denúncia à Justiça Federal, e de suspeito, esse empregado, pode passar a acusado e réu, sendo que, confirmando-se o fato em juízo, poderá pegar uma pena reclusiva de um (01) a cinco (05) anos de prisão e multa, pelo Crime de Estelionato Contra o Erário Público, nos termos do art. 171, § 3º do Código Penal.
A Pessoa Jurídica, por sua vez, pode sofrer punições administrativas, como multas ou ser impedido de emitir certidões ou participar de licitações públicas, por exemplo, dentre várias outras consequências jurídicas e sociais, como receber incentivos fiscais de instituições públicas, desvalorização da sua marca no mercado, fora o desgaste financeiro que terá com advogados por um bom tempo. E a pessoa física – que há por trás da pessoa jurídica – se diretamente envolvida, pode estar enquadrada no mesmo dispositivo que tipifica o crime de estelionato contra o erário público.
Em decisão recentíssima, envolvendo a empresa Norte Sul e alguns empregados desta, a Justiça do Trabalho da 24ª Região – através da magistrada Exma. Juíza Graziele Lima, da 1ª Vara do Trabalho de Várzea Grande, além de ordenar a devolução aos cofres públicos dos valores indevidamente recebidos, adotou a conduta acima narrada, e os envolvidos deverão responder pelo tormentoso crime citado.
E pra encerrar com chave de ouro, como diria o ilustre e genial Jorge Ben Jor: ‘se malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem'.
Publicado por Maykell Felipe Moreira
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