Depois da divulgação das planilhas bombásticas do DPO (Departamento de Propinas da Odebrecht), as castas poderosas cleptocratas multipartidárias (as das pilhagens, corrupção e roubalheiras em geral do patrimônio público) sonham com duas coisas: (a) acelerar o impeachment de Dilma (que é algo quase unânime no país) e dar posse rapidamente a Michel Temer; (b) “melar” (tanto quanto possível) a Lava Jato (para preservar a carreira política de centenas de barões ladrões da República Velhaca – 1985-2016). Querem mandar para os ares mais uma vez a igualdade da lei penal para todos.
Enquanto o alvo da Lava Jato era o PT e aliados, as castas a suportaram, mas agora (com mais de mil nomes já divulgados e mais de 20 partidos envolvidos) a operação (que já foi longe demais) já não atende os “interesses gerais da nação” (!).
E se a Lava Jato incorrer nos mesmos erros que foram cometidos, na Itália, na Operação Mãos Limpas, realmente em breve veremos o grandiloquente insucesso (que não chega a se confundir com fracasso) da maior revolução desarmada aqui já promovida (que ainda conta, apesar dos seus graves problemas, com amplo apoio popular).
As castas políticas e econômicas (leia-se: todas as cúpulas dos grandes partidos e os poderosos econômico-financeiros) estão assustadas. Por isso que estariam costurando um grande “acordão” para obstruir a Lava Jato. Para elas o interessante é “legitimar” a corrupção, publicá-la seletivamente e nunca desvendá-la em toda a sua extensão.
Nesse contexto, é muito importante saber porque, depois de certa altura, naufragou a operação Mãos Limpas (apesar dos 5 mil investigados e das 1.300 condenações), para que não venhamos a cometer os mesmos erros. Eis algumas razões:[1]
(a) criou-se a imagem de que ela era “partidária”, isto é, de que alguns juízes (comunistas?) estavam atacando setores tradicionais da política; Berlusconi manipulou a opinião pública nesse sentido e o vento virou contra o Judiciário (como se vê, a Lava Jato não pode se “partidarizar” nem se “gilmarizar” e tem que investigar “todos” os envolvidos com firmeza e transparência ou se desmoraliza, leia-se, se “desmoroliza”, se “desmorona”);
(b) o Poder Judiciário italiano imaginou que poderia sozinho fazer a “revolução dos juízes” (na verdade, sem apoio popular, político e institucional a Lava Jato se aniquilará, porque as castas poderosassabem se unir nos momentos de guerra contra elas); o isolamento dos juízes e investigadores é o começo do fim;
(c) na Itália toda carga punitiva foi jogada prioritariamente sobre os políticos (agentes do Estado), deixando a imagem de que osagentes financeiros e econômicos (do Mercado) eram vítimas e limpos (a podridão corruptiva está presente em todos os setores das castas influentes e reinantes – todos os envolvidos devem ser investigados, sem distinção); a corrupção é de mão dupla e envolve o Estado e o Mercado (ambos possuem amplos setores contaminados pela corrupção);
(d) atacou-se a corrupção e colocou-se outro corrupto (Berlusconi) no poder, ou seja, trocaram, na Itália, seis por meia dúzia (o PMDB no lugar do PT não fica longe disso; mas temos que nos livrar do projeto falido e corrupto do PT; o menos ruim seria a realização de “novas eleições”, cassando-se a chapa Dilma/Temer; mas com tantos nomes também da oposição envolvidos nas planilhas da Odebrecht, as castas não darão sinal verde para novas eleições agora);
(e) Berlusconi, com oposição fraca, usou todos os seus poderes para “melar” a Mãos Limpas: aprovou leis de anistia e reduziu os poderes dos juízes, destruindo-os midiaticamente;
(f) a operação italiana fracassou na punição de alguns políticos poderosos, como a do próprio Berlusconi (acusado de corrupção em 1994). Acusação (ou delação) não transformada em condenação dá força para o político; a união da classe política – e midiática – bloqueia o Judiciário;
(g) a repressão das castas poderosas tem o efeito da ação de um predador (disse Davigo): ela melhora as habilidades das presas (os métodos da corrupção foram aprimorados – chegou-se hoje a uma corrupção 2.0, segundo Alberto Vannucci);
(h) muitas medidas importantes, paralelas à repressão, não foram implementadas (reforma política e eleitoral, avanços nas investigações, fim do foro especial, mais verbas para as investigações e os processos, medidas preventivas na administração, políticas preventivas e educativas etc.);
(i) se a opinião pública perder a esperança de dias melhores ela se desmobiliza (e aí a política dita suas regras, para abafar tudo que for possível); as pessoas precisam acreditar em mudanças; a desesperança as afasta e elas se tornam mais cínicas.
O resultado final da Mãos Limpas foi pífio: a Itália continua muito corrupta (em 2015 estava na posição 61ª no ranking da Transparência Internacional), não fez a reforma política necessária nem transformou sua cultura de tolerância à corrupção. A decretação do fim da Primeira República foi apenas uma mudança de rótulo. A renovação da classe política não modificou as práticas. Os novos partidos ostentam os velhos problemas. Os métodos da corrupção se sofisticaram (controles, compliance, auditores etc.).
Os políticos individualmente continuam corruptos. Pesquisa de 2005 revelava que 90% dos italianos achavam que a corrupção aumentou ou seria igual ao princípio da Mãos Limpas (1992) (ver Donatella Della Porta). Os envolvidos não se acham corruptos (falam em “doações”, não em propinas; falam em “amigos”, não em corrompidos). Quando o PT acusa Delcídio de “desonesto”, vê-se que até no sistema corrupto se espera “honestidade”.
É preciso encontrar uma saída para o Brasil. O impeachment do governo petista é necessário, mas a chegada do PMDB no poder nacional (pelo seu histórico de corrupção) representa alto risco de leopardismo político (muda tudo para que tudo fique como está). No campo político estamos fazendo tudo parecido com Berlusconi na Itália. O menos ruim talvez fosse a realização de novas eleições(via TSE, cassando-se a chapa Dilma/Temer). Mas as castas poderosas influentes e governantes não vão se interessar por isso, pelo alto risco que representariam nesse momento novas eleições, abrindo-se brecha para o surgimento de “novos salvadores da pátria” (que não sugerem garantias para elas)
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