quarta-feira, maio 24, 2017

A delação premiada e a ética no fundo do poço

A delao premiada e a tica no fundo do poo
Por Wagner Francesco
Um dos assuntos mais comentados dos últimos dias foi a jogada de mestre do pessoal da JBS. Eles, juntamente com a Globo e o MPF, vazaram os áudios com o Temer e o Aécio envolvidos em crimes: de pagamento de propina, de Responsabilidade e etc.
Resultado da delação: a Bolsa de São Paulo perdeu R$ 219 bilhões. O dólar explodiu. Os caras da JBS, espertamente, compraram US$ 1 bilhão na baixa e, diante da hecatombe que eles mesmos provocaram, venderam na alta, lucraram e pagaram a multa que lhes foi imposta no acordo de delação premiada.
Genial; mas imoral – mas quem disse que há moralidade nesse mundo dos negócios, não é?
A grande questão é: há ou não há uma banalização da Delação Premiada na Operação Lava-Jato? Importa lembrar quando o procurador da República, Manoel Pastana, acerca das prisões na Operação Lava Jato, chegou a dizer que “passarinho para cantar precisa estar preso”. Aí fica aquilo: passarinho para cantar precisa estar preso e tem passarinho que canta para não ser engaiolado...
Mas queiramos ou não, a delação está presente em nosso ordenamento jurídico. Sobre ela diversas leis tratam do assunto, a exemplos da lei dos crimes hediondos (lei 8072/1990); o Código Penal (CP, artigo 159, parágrafo quarto); lei de lavagem de dinheiro; lei de proteção a vítimas e a réus colaboradores (lei 9807/1999); lei antidrogas (lei 11343/2006) e lei de crime organizado (lei 12850/2013).
Delação premiada é um benefício legal concedido a um criminoso delator, quando este aceita colaborar na investigação ou entregar seus companheiros.
Ela pode beneficiar o acusado com:
  • Diminuição da pena de 1/3 a 2/3;
  • Cumprimento da pena em regime semiaberto;
  • Extinção da pena;
  • Perdão Judicial.
Até aqui tudo certo, mas vamos falar primeiramente sobre a afirmação que eu fiz no começo do parágrafo acima: “delação premiada é um benefício legal concedido a um criminoso delator”. Desenhando a frase agora: é um criminoso que ajuda o Estado a cumprir o seu papel, combater o crime.
Segundo o advogado baiano Gamil Foppel,
a delação premiada é o reconhecimento da absoluta e manifesta falência do sistema investigativo estatal. [...] É dizer, utilizar-se de um criminoso para combater o próprio crime é, a um só tempo, valer-se de um meio de questionável padrão ético, confessando, ao mesmo tempo, que o estado não teve capacidade para identificar e comprovar a autoria e a materialidade de fatos puníveis.
O Estado Brasileiro, tal como em Gotham City, está em plena decadência e precisa de um Batman para combater o crime. Aqui não temos Batman, mas somos ajudados pelos próprios criminosos.
Acontece que é aqui que eu quero chegar: somos ajudados?
Não, não somos ajudados. Ajuda é coisa gratuita, pois do contrário estamos falando em onerosidade, bilateralidade, sinalagmatismo ou quaisquer outros termos bonitos assim do Direito Civil que versem sobre contratos. Sim, Delação Premiada é, antes de tudo, um contrato onde o criminoso se compromete a falar a verdade e o Estado, a retribuí-lo por isto. Aqui então, senhores e senhoras, chegamos ao fundo do poço: a verdade virou moeda de troca.
Falar a verdade é uma obrigação humana. Obrigação esta que quando não cumprida coloca toda a segurança e organização do tecido social em perigo.
Negociar a verdade? Já vi que o dinheiro pode comprar a liberdade, mas não o bom caráter. Aliás, por falar em dinheiro, é o amor a ele que é a raiz de todo o crescimento do mau caratismo na essência humana. Foi por dinheiro que os delatores que estão na mídia se corromperam...
Ainda segundo Gamil Foppel,
(a delação premiada) é medida de duvidosa moralidade (moralidade que é um dos princípios basilares do ordenamento constitucional), tendo em vista que o estado se vale da palavra de um investigado para condenar os demais e, em uma troca de concessões, propor-lhe penas mais brandas ou, até mesmo, a extinção da punibilidade pelo perdão judicial.
A delação premiada encontra seu alicerce não no arrependimento do criminoso, mas numa nova investida reprovável do cidadão que cometeu o crime para se beneficiar e se compromete a colaborar com as investigações, se for beneficiado. É o ápice da corrupção e da degradação humana.
E a coisa beira ao escárnio quando vemos que muitos estão fazendo a delação justamente para obter o perdão judicial. Mas surge a pergunta: é legal a forma como as delações que ofertam o perdão judicial estão acontecendo? Pelo menos no que diz respeito a esta delação do Joesley Batista, não.
Por que não? Porque perdão judicial só pode ser concedido por sentença ou acórdão do poder judiciário, sendo causa extintiva de punibilidade, que faz "coisa julgada material". Isto é: para que haja o perdão judicial é preciso que tenha havido, primeiro, um processo contra aquele que gozará do perdão judicial.
Ou melhor desenhando: perdão judicial não é a mesma coisa que “não oferecimento da denúncia”. Não existe em nenhum lugar, em especial da lei 12.850/13, autorização para que alguém faça delação e, sem processo contra si em tramitação, goze do perdão judicial. Além do mais, o perdão judicial é a ultima ratio, devendo, antes dela, o magistrado reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos.
É interessante o que diz a lei 9.807/99 acerca do Perdão Judicial. Segundo ela,
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I – a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III – a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.
Veja: poderá(!) conceder o perdão judicial – sendo que a concessão do perdão judicial levará em conta a repercussão social do fato criminoso. Ora, quem duvida que o país está cansado de tanta corrupção e que não é correto vermos um empresário sucateando o Brasil, comprando político e, após uma delação onde demonstra o seu envolvimento com pagamento de propinas, ter como prêmio o direito de ir morar em Nova York?
Sabe aquela história que o crime não compensa? Pois: da forma como as delações estão sendo feitas aqui no Brasil, o crime compensa e muito. O que é lamentável.

segunda-feira, maio 22, 2017

Processo penal e show business: a influência da mídia nas decisões judiciais

Por Evinis Talon
Vivemos tempos estranhos. O vernáculo é superado pelo espetáculo, as leis são substituídas por holofotes, deixa-se de seguir a Constituição para seguir a opinião exposta no jornal ou, pior ainda, para estar no jornal do dia seguinte.
É inquestionável que há uma dupla influência da mídia em relação às decisões judiciais, sobretudo quanto aos processos criminais. É uma influência que atua em relação a uma opinião midiática passada/pretérita, mas também em relação a uma futura possibilidade de crítica ou elogio.
No que concerne à opinião passada ou pretérita, o julgador, inserido em uma comunidade, é bombardeado por opiniões de jornalistas que, muitas vezes, não possuem formação jurídica, além de ter diariamente questionada, na mídia e no seio popular, a capacidade de reduzir, por meio de suas decisões, a criminalidade e a impunidade.
No caso de crimes de colarinho branco, a mídia se dedica com maior intensidade e pede maior rigor, como se quisesse afastar o preconceito oculto que muitos têm em relação aos pobres, isto é, aquela comemoração internalizada e asquerosa que muitos têm quando pessoas com determinadas características pessoais – que não se enquadram no pretenso conceito de “cidadão de bem” – são presas.
A mídia, para não passar uma ideia de preconceito e, eventualmente, racismo, opta por evitar cobrir esses tipos de crimes e, de forma premeditada, intensifica a cobrança pela punição daqueles que respondem por crimes de colarinho branco, normalmente pessoas ricas e bem-sucedidas, como forma de defender que o Direito Penal pune todos indistintamente.
A seletividade continua, apenas diferenciando entre a seletividade oculta (pobres) e a televisionada (ricos).
Essa influência midiática no sentido de que o Direito Penal deve alcançar também – e com maior intensidade – os mais ricos chega aos órgãos do Poder Judiciário em forma de pressão, fazendo com que se questionem continuamente se é, de fato, caso de revogação da prisão preventiva de determinado empresário/político ou se, em eventual soltura, surgirão questionamentos midiáticos quanto ao Judiciário punir apenas os mais pobres.
O mesmo ocorre, evidentemente, em relação aos membros do Ministério Público.
Contudo, nada é mais odioso do que a influência “pro futuro”, ou seja, a tomada de decisões para que elas gerem uma posterior aceitação midiática/popular.
Nesse contexto, urge lembrar os casos em que é utilizado o dolo eventual quando é hipótese nítida de culpa consciente, garantindo-se o espetáculo da divulgação de um júri e da possibilidade de se alcançar penas de décadas/séculos, o que não seria possível em relação aos crimes culposos, em virtude da impossibilidade de cúmulo material (art. 70, “caput”, parte final, do Código Penal).
Em alguns casos, a mídia se revolta pelo fato de alguém ter sido preso em flagrante e posteriormente liberado, como se a mera prática de um crime justificasse o cerceamento cautelar.
Assim, é notório que a mídia influencia consideravelmente o andamento do processo penal. Mais do que isso, a mídia também influencia a consequência de um processo criminal, isto é, a execução da sanção penal imposta.
Sobre esse assunto, basta lembrarmos as críticas midiáticas quando algum apenado famoso enquadra-se em uma das hipóteses de indulto, surgindo notícias amplamente divulgadas afirmando que o Presidente da República beneficiou/perdoou determinada pessoa, como se o indulto não fosse concedido de forma coletiva.
Da mesma forma, as saídas temporárias são vigiadas de perto pela mídia, que divulga a quantidade de presos que não retornaram em determinado feriado – como forma de pressionar os Juízes da execução penal -, mas deixa de noticiar quando há o retorno integral dos apenados, pois a ressocialização não merece ser noticiada.
Os Juízes e membros do Ministério Público mais corajosos e que dignificam os seus cargos evitam ouvir esses clamores. Exercem seus cargos de acordo com a Constituição Federal. Sabem que a independência de seus cargos libera-os da necessidade de buscar consensos ou satisfazer interesses.
Ainda assim, é indubitável que as pressões midiáticas os atingem, ainda que não sejam decisivas para as suas ações.
Ao lado do respeito ao devido processo legal, o indevido processo midiático, com regras próprias e “Juízes” que decidem sem qualquer parâmetro legal, mas apenas buscando a preponderância de seus sentimentos pessoais. Devemos torcer para que essas “instâncias” sejam independentes e que a danosidade do processo midiático não tumultue o processo judicial.
As prisões não devem ser seletivas em relação a ricos ou pobres, tampouco espetacularizadas, mas sim aplicadas a quem praticou uma infração penal – seja quem for – e, quanto às prisões cautelares, àqueles que se encontram em uma situação que se amolda aos requisitos legais.

quinta-feira, maio 04, 2017

Crônica de uma liberdade anunciada


Brasília - A semana passada publiquei no Diário do Poder artigo em que dizia que o Zé Dirceu seria solto pelo Supremo Tribunal Federal. Acertei até o placar de 3X2 favorável à sua liberdade. Gente, não é adivinhação. É que o nosso STF virou o tribunal mais previsível do mundo. Portanto, vale a pena ler de novo a: ......................................................................
“Crônica de uma liberdade anunciada”
Caro leitor, fique atento. 
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, aquela que cuida dos processos da Lava Jato, começa a desmontar a operação que já botou muita gente grande na cadeia e restituiu aos cofres bilhões de reais pilhados das empresas públicas. Os primeiros sinais vieram esta semana com a liberdade de João Claudio Genu, ex-tesoureiro do PP, e do pecuarista José Carlos Bumlai, o amigo do peito de Lula, condenado a nove anos, que se envolveu no empréstimo fajuto de 12 milhões de reais com o Banco Schahin. 
Repito: fique de olho. O próximo a ganhar às ruas é o José Dirceu, que o próprio STF apontou como o chefe da quadrilha do mensalão, condenado, reincidente nos crimes de corrupção.
Não precisa ser nenhum expert para saber que a maioria dos ministros da Segunda Turma não quer mais o Zé na cadeia. Coitado!, pensam eles, com mais de 70 anos, ele não tem mais a agilidade de outrora para se envolver em outros crimes, organizar quadrilhas para roubar o dinheiro do contribuinte, formar partidos políticos que se converteram em grupos de delinquentes e nem mais a habilidade para comprar apoio de políticos para que seus comparsas se perpetuem no governo. Afinal de contas, o PT já foi defenestrado do poder.
Se for por piedade, Dirceu deveria ser julgado por um colegiado de freiras que decidiria sobre o seu destino, tirando-o da prisão direto para um convento. Mas se o julgamento for à luz da Justiça, dentro das regras da lei, Zé Dirceu ainda deverá ficar muito tempo na cadeia. Afinal de contas, é para julgar com isenção os malfeitos desses caras que o contribuinte paga os altos salários dos ministros do STF.
A apreciação do habeas-corpus do ex-ministro de Lula será feito por um colegiado de cinco ministros que compõem a Corte: Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Edson Fachin. Dois deles, Toffoli e Lewandowski são notoriamente simpatizantes petistas. 
O primeiro trabalhou com Zé quando ele foi chefe do Gabinete Civil, e o segundo teria sido indicado para o tribunal por dona Marisa, mulher do ex-presidente Lula. O terceiro, Gilmar Mendes, que seria em tese mais independente, já declarou que é contra a “prisões prolongadas. Portanto, diante desse quadro, é bem provável que o placar favorável de 3x2 pelo julgamento do habeas-corpus finalmente tire o Zé detrás das grades.
A liberdade de Zé Dirceu já foi negada pelo então ministro Teori Zavascki em outubro do ano passado. E em fevereiro deste ano, Fachin também disse não a tramitação do habeas corpus na Corte, decisão que caiu esta semana. Em duas sentenças, Zé Dirceu foi condenado a mais de 30 anos de prisão pelo juiz Sérgio Moro que acolheu denúncias dos procuradores por lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa. Constatou-se que o , mesmo no presídio, voltou a delinquir quando recebeu dinheiro roubado da Petrobrás e de outras empresas públicas.
Fachin, o relator da Lava Jato, não quer o Zé Dirceu na rua. Ele fala da reincidência dos crimes do ex-ministro. Lembra que ele foi condenado no processo do mensalão e voltou a cometer crimes, recebendo vantagens indevidas durante a tramitação do processo. “Não se revela suficiente a substituição da prisão por medidas cautelares”, disse o magistrado.  Zé foi acusado de receber mais de R$ 48 milhões por meio de serviços de consultoria, valores que seriam oriundos de propina proveniente do esquema na Petrobras, de acordo com os procuradores da Lava Jato.