Publicado por Canal Ciências Criminais
Por Evinis Talon
Vivemos tempos estranhos. O vernáculo é superado pelo espetáculo, as leis são substituídas por holofotes, deixa-se de seguir a Constituição para seguir a opinião exposta no jornal ou, pior ainda, para estar no jornal do dia seguinte.
É inquestionável que há uma dupla influência da mídia em relação às decisões judiciais, sobretudo quanto aos processos criminais. É uma influência que atua em relação a uma opinião midiática passada/pretérita, mas também em relação a uma futura possibilidade de crítica ou elogio.
No que concerne à opinião passada ou pretérita, o julgador, inserido em uma comunidade, é bombardeado por opiniões de jornalistas que, muitas vezes, não possuem formação jurídica, além de ter diariamente questionada, na mídia e no seio popular, a capacidade de reduzir, por meio de suas decisões, a criminalidade e a impunidade.
No caso de crimes de colarinho branco, a mídia se dedica com maior intensidade e pede maior rigor, como se quisesse afastar o preconceito oculto que muitos têm em relação aos pobres, isto é, aquela comemoração internalizada e asquerosa que muitos têm quando pessoas com determinadas características pessoais – que não se enquadram no pretenso conceito de “cidadão de bem” – são presas.
A mídia, para não passar uma ideia de preconceito e, eventualmente, racismo, opta por evitar cobrir esses tipos de crimes e, de forma premeditada, intensifica a cobrança pela punição daqueles que respondem por crimes de colarinho branco, normalmente pessoas ricas e bem-sucedidas, como forma de defender que o Direito Penal pune todos indistintamente.
A seletividade continua, apenas diferenciando entre a seletividade oculta (pobres) e a televisionada (ricos).
Essa influência midiática no sentido de que o Direito Penal deve alcançar também – e com maior intensidade – os mais ricos chega aos órgãos do Poder Judiciário em forma de pressão, fazendo com que se questionem continuamente se é, de fato, caso de revogação da prisão preventiva de determinado empresário/político ou se, em eventual soltura, surgirão questionamentos midiáticos quanto ao Judiciário punir apenas os mais pobres.
O mesmo ocorre, evidentemente, em relação aos membros do Ministério Público.
Contudo, nada é mais odioso do que a influência “pro futuro”, ou seja, a tomada de decisões para que elas gerem uma posterior aceitação midiática/popular.
Nesse contexto, urge lembrar os casos em que é utilizado o dolo eventual quando é hipótese nítida de culpa consciente, garantindo-se o espetáculo da divulgação de um júri e da possibilidade de se alcançar penas de décadas/séculos, o que não seria possível em relação aos crimes culposos, em virtude da impossibilidade de cúmulo material (art. 70, “caput”, parte final, do Código Penal).
Em alguns casos, a mídia se revolta pelo fato de alguém ter sido preso em flagrante e posteriormente liberado, como se a mera prática de um crime justificasse o cerceamento cautelar.
Assim, é notório que a mídia influencia consideravelmente o andamento do processo penal. Mais do que isso, a mídia também influencia a consequência de um processo criminal, isto é, a execução da sanção penal imposta.
Sobre esse assunto, basta lembrarmos as críticas midiáticas quando algum apenado famoso enquadra-se em uma das hipóteses de indulto, surgindo notícias amplamente divulgadas afirmando que o Presidente da República beneficiou/perdoou determinada pessoa, como se o indulto não fosse concedido de forma coletiva.
Da mesma forma, as saídas temporárias são vigiadas de perto pela mídia, que divulga a quantidade de presos que não retornaram em determinado feriado – como forma de pressionar os Juízes da execução penal -, mas deixa de noticiar quando há o retorno integral dos apenados, pois a ressocialização não merece ser noticiada.
Os Juízes e membros do Ministério Público mais corajosos e que dignificam os seus cargos evitam ouvir esses clamores. Exercem seus cargos de acordo com a Constituição Federal. Sabem que a independência de seus cargos libera-os da necessidade de buscar consensos ou satisfazer interesses.
Ainda assim, é indubitável que as pressões midiáticas os atingem, ainda que não sejam decisivas para as suas ações.
Ao lado do respeito ao devido processo legal, o indevido processo midiático, com regras próprias e “Juízes” que decidem sem qualquer parâmetro legal, mas apenas buscando a preponderância de seus sentimentos pessoais. Devemos torcer para que essas “instâncias” sejam independentes e que a danosidade do processo midiático não tumultue o processo judicial.
As prisões não devem ser seletivas em relação a ricos ou pobres, tampouco espetacularizadas, mas sim aplicadas a quem praticou uma infração penal – seja quem for – e, quanto às prisões cautelares, àqueles que se encontram em uma situação que se amolda aos requisitos legais.
Fonte: Canal Ciências Criminais
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