quarta-feira, fevereiro 11, 2015

Nunca se roubou tanto


MONEY GRAFFITI

Dilma é uma figura meio desagradável. Carismática como um guarda de trânsito do terceiro Reich, nem mesmo os petistas a amam incondicionalmente. Ganhou no beiço da pulga, graças ao "sambarilove" de João Santana.
Bastou ser eleita pra ela sinalizar que o que havia dito na eleição era tudo "mintchura, mintchura" - como diria a filha de Brizola, o guia genial do PDT de Dilma pré-plástica.
E logo veio o pacote de maldades. Aumento de juros, cortes de gastos, aumento de luz, ameaça ao seguro desemprego, etc. A vaca tossiu, pediu desculpas, e saiu da sala dando um duplo twist carpado pra trás.
E pior do que tudo isso, veio à lume mais e mais roubos ocorridos na Petrobras.
Pelo rabo que saía pela porta parecia que a safadeza na estatal era do tamanho de uma lagartixa, depois de um jacaré, e agora de um brontossauro com obesidade mórbida.
Semana passada o tesoureiro do PT foi intimado a depor. Diz-se que não quis abrir a porta e por isso os "homi" pularam o portão pra pegá-lo pelo colarinho branco. Parece que a situação está sinistramente cabulosa para seu lado. Será que ouvirá um "teje preso" e usará umas "pulseiras de Roberto Carlos" (como diria Cardinot) no banco de trás de uma D20, tal como seu antecessor? Será que a papuda vai virar centro de Pós-Graduação em técnicas criativas de contabilidade?
Só sei que tem gente até hoje indo de São Bernardo a Aparecida de joelhos, pra agradecer a graça alcançada com a saída de Barbosão do STF.
Paralelamente a isso, observou-se um grave desaparecimento dos amigos petistas. Há poucos meses estavam com tudo e davam prosa, e agora andavam cabisbaixos, macambúzios, com um banzo infinito dos tempos de Lula e Dirceu. Mas petista que é petista nunca deixa de perturbar os amigos no Facebook com a palavra da salvação. Agora eles estão seguindo as orientações de Rui Falcão e partiram para o ataque. O que tenho mais visto recentemente é o pessoal desenterrando aquele texto "Nunca se roubou tão pouco" de Ricardo Semler.
Esse texto, perdoem meu francês, é uma grande "merde". Semler é mais inteligente que eu. Dá aula no MIT, é empresário sócio da Semco Partners. Figura bem-sucedida, enquanto eu sou um economista meia-boca e dono de um Fiat Uno 1.0 2008. Separemos a criatura do criador.
Karl Popper (1902-1994) foi um dos maiores filósofos do séc. XX. Uma questão que perturbou foi a seguinte: "como posso ter certeza se uma afirmação é científica ou não?". Parece fácil distinguir o que é ciência do que é metafísica, mas acredite, não é. A gente pensa que uma teoria é científica quando os dados mostram que ela é "verdadeira". Mas isso não era suficiente para Popper, e sua tese é quase o inverso disso. Para ele só era científica aquela tese que poderia ser provada falsa.
Basta pensar na cartomante. A técnica dela é ser o mais vaga possível, de forma que ela nunca seja pega no contrapé. Por isso em uma consulta ela irá dizer algo do tipo "alguém que você gosta morreu recentemente", mas jamais dirá "José da Silva, nascido no dia 12 de janeiro de 1956, seu avô materno, faleceu há 3 anos na cidade de São Caetano do Sul, as 12:47 da tarde de uma sexta-feira". A segunda afirmação é bem mais "científica" que a primeira, pois é muito mais fácil provar que a cartomante está errada quando ela diz algo daquele tipo, do que quando diz algo muito vago e virtualmente irrefutável, como a primeira frase.
Aí mora o problema do texto de Semler. O que ele apresenta é um argumento de cartomante.
Trata-se de uma tese metafísica essa história de que nunca se roubou tão pouco, simplesmente porque é impossível provar se isso é verdade ou mentira. As únicas evidências apresentadas pelo autor são generalidades do tipo "Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso" ou "Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou", "Até em Paris sabia-se dos 'cochons des dix pour cent'". Quem são essas pessoas do "mundo dos negócios"? Quem são esses parisienses? Como provar que os percentuais caíram? Qual a evidência convincente apresentada pelo autor para mostrar que sua tese é correta?
Nenhum dado, nenhuma evidência, só argumentos do tipo "o primo de um colega meu...".
Por isso a provocação do título desse texto.
Assim como Semler não pode provar que nunca se roubou tão pouco, eu também não posso provar que nunca se roubou tanto. E por isso posso reproduzir seu texto, trocando a tese do "nunca se roubou tão pouco" pela "nunca se roubou tanto". Faça esse experimento, caro leitor.
Não existe livro de contabilidade do roubo, não existe o ranking da Forbes pra assaltantes. Tanto ele quanto eu estamos apresentando teses puramente metafísicas, não científicas, que não podem ser refutadas de maneira alguma.
Temos duas hipóteses: (a) nunca se roubou tão pouco, e nunca houve tanto combate à corrupção por isso os assaltos estão vindo à tona, ou; (b) nunca se roubou tanto, e por isso nunca tantos assaltos vieram à tona.
Qual das duas é a mais robusta? Nenhuma. Ambas são igualmente carregadas de achismos e passam longe de qualquer critério de cientificidade.
O pessoal anti-PT, obviamente, vai com a tese (b).
Já os petistas defendem a tese (a), basta lembrar do que Dilma disse durante as eleições. O argumento é mais ou menos o seguinte: "Não é pelo fato de o PT ser uma gangue de batedores de carteira que seus quadros estão vendo o sol nascer quadrado, pelo contrário, é pelo fato de o PT estar no poder, e de "permitir" as investigações, que eles estão presos". Ou seja, o pessoal do PT é tão honesto, mas tão honesto, que é por isso que eles vão pra cadeia.
Quem quer acreditar, acredita. Quem quer dar risada, dá risada.
Professor da UnB e Doutor em Economia pela USP.

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

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