O instituto da delação premiada (regulamentado pela Lei 12.850/13), um dos mais revolucionários de toda nossa histórica processual, em termos probatórios, está sendo atacado pela repugnante e asquerosa CPI da Petrobras que, em estado funeral, depois de 56 reuniões, aprofunda a crise da nossa República Velhaca (1985-2015), sendo mais um produto da pouca-vergonha nacional, como diriam os críticos mais ácidos. “De onde menos se espera é que não sai nada mesmo” (Barão de Itararé).
Não investigou nada além da Lava Jato, promoveu incontáveis espetáculos midiáticos, não indiciou ninguém e sai de cena rapidamente porque se tornou uma bomba explosiva para a parcela da classe político-econômica envolvida no escândalo da Petrobras (já 62 parlamentares estão sendo investigados pelo STF e PF, até aqui).
Em qualquer país com maior grau de consciência política e jurídica (transparência, responsabilidade e accountability) os subscritores do sórdido relatório final (uma verdadeira peça do absurdo) seriam, não amparados por imunidades, sim, processados para restituir ao erário o dinheiro público torrado em suas tão espalhafatosas quanto inócuas atividades (em Londres, Curitiba, Brasília etc.). Há CPIs que funcionam em favor do interesse público, outras não. Onde está a diferença?
As CPIs que funcionam como órgão jurídico de efetivo controle dos desmandos na República (CPI do Orçamento, CPI do PC etc.) atuam como verdadeiros órgãos de Estado (é o que estão fazendo a PF, o MPF e a Justiça no caso Lava Jato, enquanto suas atividades fiquem adstritas ao Estado de Direito). Outras CPIs desempenham suas funções como órgãos de apoio ao crime organizado bem posicionado dentro do Estado, destacando-se, dentre eles, o formado pela Parceria Público-Privada entre Poderosos para a Pilhagem do Patrimônio e do Poder Públicos (crime organizado P8). Duas dessas indecências, dentre outras, devem aqui ser recordadas: a do Carlinhos Cachoeira e a da Petrobras.
Esta, para não dizer que foi um fiasco total, pelo menos registra em seus anais a famosa frase “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu Imposto de Renda”. Poucos dias depois surgiriam provas inequívocas de quatro contas bancárias clandestinas na Suíça, que movimentaram mais de 23 milhões de reais. Em qualquer país um pouco menos comprometido com a cleptocracia (que no Brasil atingiu níveis indescritíveis) isso significaria cassação do mandato do parlamentar, por falta de decoro, em questão de horas.
Uma das sugestões da CPI é a criação de uma Comissão Especial de deputados para discutir o regramento jurídico da delação, cuja homologação deveria ser vedada em relação às pessoas presas. Sugere-se que a prisão constitui fonte de “extorsões premiadas” (não de delações premiadas). Essa é uma das teses mais acalentadas pelos competentes defensores dos delatados e o STF ainda não a enfrentou diretamente.
A Convenção Americana de Direitos Humanos diz, em seu artigo 8º, 3, “que a confissão somente é válida se feita sem coação de nenhuma natureza”. A regra se estende à delação. O ministro Teori, em suas decisões, tem chamado a atenção para isso: se comprovado qualquer tipo de coação, é evidente que as delações perdem seu valor jurídico por completo (porque nesse caso estaríamos diante de fonte de prova obtida ilegalmente). Maculada a fonte, imprestáveis se tornam seus frutos (teoria dos frutos da árvore envenenada). Proibir a delação ao preso, como regra geral, é não ver todos os ângulos da questão: não se pode esquecer que ela também significa premiação para o réu, que muitas vezes tem interesse em prestar informações em favor da Justiça para se livrar de longas condenações penais.
Resumindo: a questão da nulidade das delações deve ser enfocada em cada caso concreto. Nem se pode presumir que todas as delações de presos sejam “extorsões” (erro em que incidiu a CPI da Petrobras), nem se pode presumir que todas sejam absolutamente escorreitas. Cada caso é um caso (e isso compete ao Judiciário analisar).
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