segunda-feira, março 28, 2016

Impeachment é ou não golpe?

O jornalismo da Rede Globo entrevistou o Min. Do STF José Antonio Dias Toffoli sobre a legitimidade do “impeachment”, numa clara dialética midiática que demonstra uma finalidade: criar na representação social aparência de procedimento constitucional, justificável e necessário.
Mas a forma como está sendo conduzido o impedimento [mídia, Câmara dos Deputados e Judiciário] se constitui numa forma isenta e imparcial?
A resposta é: autoritária, obscura e conservadora. Calma e leia mais a frente.
Antes lembre-se que a campanha eleitoral que começou em ago/2014 prolonga-se até hoje com os partidos de oposição usando o horário gratuito de televisão contrariamente ao que prevê o art. 45, da Lei nº 9.096/95, sem que o Ministério Público movesse uma única ação contra os partidos. Quando levado ao conhecimento do MP, um de seus membros falou que política é assim mesmo, ou seja, se mostra conivente ou lava as mãos, deixando de cumprir o art. 127, da Constituição brasileira.
Deixe-se bem claro, o IMPEDIMENTO [esse é o termo usado pelaConstituição (CRFB)] da Presidenta da República está previsto nos arts. 7980 e 81 da Constituição e a substituição do cargo, caso vingue o “impeachment”, se dá:
  • Pelo Vice-Presidente, tanto no caso de impedimento como no de vaga; e se este último sofrer impedimento o cargo ficará vago [art. 79, da CRFB];
  • Se o cargo de Presidente da República ficar vago ocorrerá nova eleição no prazo de 90 dias da última vacância [cargo vago, art. 81, caput, da CRFB];
  • Nesse período [90 dias] serão chamados, sucessivamente, para o exercício da Presidência da República o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal [art. 80, da CRFB];
  • Se a vacância ocorrer nos últimos dois anos do mandato, o Congresso Nacional [na forma da lei, sinal que deve existir lei previamente, anteriormente promulgada sobre o tema], em 30 dias depois do início da vacância deve proceder eleição indireta [art. 81, § 1º, da CRFB];
Até aí tudo bem. Mas quais os dispositivos que estabelecem as razões da abertura de “impeachment”, ou impedimento legal?
  • Crimes de responsabilidade definidos na Constituição brasileira e regulamentados em lei especial, a qual deve estabelecer as normas de processo e julgamento [art. 85,caput e § único], especificamente no caso do Brasil hoje, conforme o processo de “impeachment”, os incisos V [improbidade na administração] e VI [lei orçamentária] do dispositivo mencionado;
  • Uma das leis que regulamenta o assunto é a LC nº 101/01 [lei de responsabilidade fiscal], a qual não tipifica o crime de responsabilidade e nem estabelece o seu procedimento [crime só existe com prévia determinação e cominação legal, art. 5º, XXXIX, da CRFB];
  • Outra lei que define os crimes de responsabilidade e, esta sim, regula o respectivo processo de julgamento é a Lei nº1.079/50;
  • Outra, ainda, é a lei de improbidade administrativa [Lei nº 8.429/92, esta lei abrange atos de todos os servidores públicos, do mais alto ao mais baixo escalão], que também define forma de procedimento;
Nesse artigo o foco é o procedimento estabelecido na Lei nº1.079/50 e no Regimento Interno da Câmara dos Deputados [RICD], lembrando que se a infração for do tipo comum, não de responsabilidade, o Supremo Tribunal Federal é competente para julgar a Presidenta, e, nos crimes de responsabilidade, que é o caso em análise, será julgada perante o Senado Federal [art. 86, da CRFB], passando antes pela Câmara dos Deputados;
Observe que o § único, do art. 85, da Constituição brasileira diz que lei “estabelecerá as normas de processo e julgamento”. Ela diz:lei, e o Regimento Interno da Câmara [RICD] não é lei.
O processo de impedimento começou com a denúncia de um cidadão perante a Câmara dos Deputados, conforme prevê o art.14, da Lei nº 1.079/50 e é o mesmo enunciado do art. 218, do RICD. Os dois dispositivos estabelecem, ainda, os requisitos do recebimento da denúncia [art. 16 desta lei e § 1§, do art. 218, do referido regimento], a saber:
  • O denunciante deve reconhecer firma da assinatura do documento de denúncia;
  • O denunciante deve juntar documentos que comprovem o que está denunciando, ou declare a impossibilidade de fazê-lo;
  • Se não apresentar os documentos, deve indicar o local onde possam ser encontrados;
  • para completar a denúncia, se for o caso, apresentar um rol de testemunhas, de, no mínimo cinco.
O não recebimento da denúncia aconteceria se o denunciado não estivesse mais no mandato [art. 15, da Lei nº 1.079/5], ou se faltasse algum dos requisitos formais acima referidos, na elaboração da petição de denúncia. Caso não fosse recebida pelo Presidente da Câmara caberia recurso ao Plenário [§ 3º, do art. 218, do RICD].
Os requisitos para denúncia são objetivos e não de cunho emocional ou sensacionalista.
Recebida a denúncia pelo Presidente da Câmara, este deve:
  • Ler na sessão seguinte e despachar a uma Comissão Especial [art. 19, da Lei nº 1.079/50 e § 2º, do art. 218, do RICD];
  • Essa Comissão deve ser formada por Deputados eleitos,observando-se a proporção partidária dos representantes de todos os partidos para opinar sobre a denúncia [art. 19, da Lei nº 1.079/50]; observe que o § 2º, do art. 218, do RICD, não prevê o opinamento dos representantes dos partidos;
  • Sobre a forma da escolha dos representantes dos partidos o STF, decidindo ADPF proposta pelo PCdoB, determinou que o voto fosse aberto [não secreto];
  • Eleita a Comissão Especial deve-se, no prazo de 48 horas, eleger seu Presidente e o relator que em 10 dias deve emitir o primeiro parecer sobre a denúncia a fim de dizer se ela deve ou não ser julgada objeto de deliberação, ou seja se deve seguir o processo [art. 20, caput, da Lei nº 1.079/50];
  • Durante o período desses 10 dias, a critério da Comissão, ela pode “proceder às diligências que julgar necessárias ao esclarecimento da denúncia” [art. 20, caput, da Lei nº1.079/50; o Cap. VII, do Tít. VI do RICD não prevê essas diligências];
  • Com ou sem essas “diligências” o parecer deverá ser lido no expediente da sessão da Câmara, mais deve ser publicado INTEGRALMENTE no Diário do Congresso Nacional e em avulsos, juntamente com a denúncia e, além disso, ser distribuídas a todos os deputados [art. 20, § 1º, da Lei nº 1.079/50];
  • O Cap. VII, do Tít. VI do RICD não prevê o rito acima, determina apenas que, após o recebimento da denúncia notifique-se a denunciada para se manifestar em 10 sessões [art. 218, § 4º, do RICD]; contrariamente ao que determina a sequência do rito da Lei nº 1.079/50 que, na sequência;
  • Estabelece que 48 horas após a publicação oficial do parecer da Comissão, está inclua-o na ordem do dia da Câmara dos Deputados para uma discussão única [art. 20, § 2º, da Lei nº 1.079/50];
  • Nessa discussão 5 [cinco] representantes de cada partido poderão falar, sobre o parecer, durante uma hora em que depois da fala dos representantes o Relator da Comissão tem o direito de responder a cada um [art. 21, da Lei nº 1.079/50];
  • Após as referidas manifestações dos representantes de cada partido deve ocorrer a votação nominal decidindo sobre o arquivamento ou seguimento e se a denúncia será objeto de deliberação [art. 22, caput, da Lei nº 1.079/50];
  • Caso a denúncia se aceita a Comissão deve remeter cópia autenticada à denunciada, que terá o prazo de vinte dias para contestá-la e indicar os meios de prova com que pretenda demonstrar a verdade do alegado [art. 22, caput, da Lei nº 1.079/50], diferentemente do que prevê o RICD, dez sessões [art. 218, § 4º];
  • Na contestação a denunciada pode requerer diligências que julgar conveniente pedir para que seja tomado depoimentos de testemunhas de ambas as partes, ouvir o denunciante e também a denunciada [esta última pode ser substituída por procurador] em que a denunciada, ou seu procurador poderão interrogar e contestar as testemunhas e requerer a reinquirição ou acareação se achar conveniente [art. 22, § 1º, da Lei nº 1.079/50];
  • Findo essas diligência a Comissão, em dez dias, deve proferir parecer sobre a procedência ou improcedência da denúncia e novamente publicar e distribuir o parecer a todos os Deputados e incluir na ordem do dia da sessão imediata para uma discussão, e, 48 horas depois mais outra [art. 22, § 2º, c/c § 3º, da Lei nº 1.079/50];
  • Sobre este parecer cada representante de partido poderá falar uma vez durante uma hora e depois disso deve ser publicado o que foi deliberado [art. 22, § 4º, c/c a forma do § 2º, do art. 20, da Lei nº 1.079/50];
  • Encerrada essa fase: discussões do parecer, acontece votação nominal, sem permitir questões de ordem para decidir sobre a procedência da denúncia, que deve ter votação de 2/3 da Câmara dos Deputados [art. 86, caput, da CRFB]; que, em sendo assim, admite e decreta a acusação intimando o denunciado em seguida [art. 23, caput, §§ 1º e 2º, da Lei nº 1.079/50];
  • Após esses procedimentos, se decretada a acusação, a Câmara elegerá uma nova comissão composta de três membros para acompanhar o julgamento no Senado Federal [art. 23, § 4º, da Lei nº 1.079/50];
Segundo a Lei nº 1.079/50, em seu art. 23§ 5º, se a Câmara admitisse acusação a Presidenta da República teria o exercício das funções suspensos e cortado pela metade os seus vencimentos até sentença final.
Contudo, o art. 86§ 1ºII, da CRFB, estabelece que a suspensão das funções de Presidente da Republica [pelo prazo de 180 dias] só e somente só ocorre após a instauração do processo pelo Senado Federal, ou seja, o Senado precisa determinar, em despacho motivado, instaurado o processo de impedimento.
Não se deve desconsiderar que, segundo o art. 86§ 4º, da CRFB, a Presidenta não pode ser responsabilizada por atos estranhos ao exercício de suas funções, ou seja, as acusações devem estar abrangidas dentro do período de vigência do seu mandato. Dúvidas surgem se desse último, ou dos dois mandatos.
O procedimento no Senado Federal é assunto para outro artigo.
Não saindo do foco do objeto de deliberação do processo de “impeachment”, ele deve ser o relacionado no art. 85, da CRFB, ou seja, os crimes considerados de responsabilidade do agente em exercício na Presidência da República.
Em caso de dúvida, pró réu, ou seja, na dúvida não deve prosperar a acusação.
De tudo exposto, que não se exauriu por inteiro, pode-se concluir que a questão do impedimento é de cunho objetivo, de se enquadrar a realidade factual dos argumentos da denúncia, analisando as provas concretas – não as hipóteses, ou suposições –, e conduzir uma deliberação sobre a ótica das regras objetivas da legislação que diz respeito a responsabilidade da Presidenta.
Contudo, não há que negar que a forma sensacionalista que está sendo conduzido o processo de impedimento tem o resquício de autoritarismo e golpe.
Mas o processo em sí, não é golpe.
Não se esqueça do que disse o Min. Do STF, Dias Toffoli, quem se sentir prejudicado que procure o Poder Judiciário.
E, os advogados que atuam nas áreas administrativa, cível, criminal e eleitoral devem concordar que a Câmara dos Deputados, na condução do processo, dará vários motivos para a Presidenta ajuizar reclamações contra o "impeachment", visto que estão seguindo o rito do RICD e não o da Lei, segundo prevê o art. 85§ único da CRFB.

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