Vinte anos após o polêmico programa que injetou enorme quantia de dinheiro público em sete bancos privados, a guerra pode recomeçar. Três bancos ainda devem em torno de R$ 30 bilhões ao governo. Foram quase 20 bilhões injetados de dinheiro público em bancos privados que estavam sob o risco de colapso, o que poderia de fato ser catastrófico para economia que procurava estabilizar-se a partir de uma moeda mais forte e inflação baixa.
O Supremo Tribunal Federal desarquivou ações movidas em face dos ex-ministros do presidente Fernando Henrique Cardoso Pedro Malan (Fazenda), José Serra (Planejamento) e Pedro Parente (Casa Civil). Nas denúncias também são citados os ex-presidentes do Banco Central Gustavo Loyola, Francisco Lopes e Gustavo Franco, além de ex-diretores da instituição.
A decisão é tomada oito anos depois que o arquivamento das ações foi determinado pelo ministro da corte Gilmar Mendes. Nos processos, é questionada uma assistência financeira de R$ 2,9 bilhões feita pelo Banco Central ao Banco Econômico S. A., em dezembro de 1994. Também são analisados outros atos decorrentes da criação do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER). O PROER foi elaborado pelo Conselho Monetário Nacional.
Para reabrir os processos, os ministros seguiram o voto da relatora do caso, Rosa Weber. Em 2008, Gilmar Mendes determinou o arquivamento do processo em uma reclamação dos ex-ministros. Eles argumentavam à época que a competência do STF foi usurpada. Segundo a defesa dos acusados, só o Supremo pode julgar ministros de Estado em "infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade".
Ao decidir pelo arquivamento dos processos, Gilmar Mendes apresentou entendimento do STF que determina ser competência exclusiva da Corte julgar ministro de Estado, pois eles não estão sujeitos à Lei 8.429/1992, mas sim a 1.079/50, que define crimes de responsabilidade, além de regular o processo de julgamento, o que revela-se incontestável. Hoje inobstante, não há que se falar em foro por prerrogativa com exceção do Senador José Serra, que deverá ser julgado perante o Supremo Tribunal Federal.
Assim, trata-se, substancialmente, de observância ou não de regra constitucional de competência originária dos tribunais, afetando diretamente a garantia do juiz natural, enquanto juiz competente predeterminado por lei. O art. 5.º, caput, inc. LIII, no traz: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Haverá a questão da necessidade ou não de desmembramento (decisão que caberá ao STF), pois os demais investigados não possuem foro por prerrogativa. Vale ressaltar que, concorrendo para um hipotético crime uma pessoa detentora de foro no STF, com outra que deve ser julgada por um juiz de primeiro grau, o processo será, em regra, único, e perante o STF. Porém, o STF, visando não ampliar demasiadamente sua atuação, inclusive julgando quem a Constituição não lhe atribuiu competência para o fazer, tem se valido da amplíssima regra de separação dos processos, do art. 80 do CPP, para desmembrar os feitos em que há conexão e continência, ficando no próprio tribunal somente a investigação de quem detém foro por prerrogativa de função, e determinando o prosseguimento da persecução penal em primeiro grau, em relação a quem não ostenta tal prerrogativa.
Uma das ações foi ajuizada na 22ª Vara Federal de Brasília e não tinha sido julgada quando o arquivamento foi determinado. Era pedido na causa a condenação dos envolvidos, o ressarcimento ao erário e a perda dos direitos políticos. Na outra, que fazia os mesmos pedidos, foi determinado o ressarcimento o erário, mas os direitos políticos foram mantidos.
Em valores da época, o Banco Central injetou nada menos do que R$ 16 bilhões em dinheiro público nos seguintes bancos: Nacional, Econômico, Mercantil, Bamerindus, Banorte, Pontual e Crefisul. Os bancos que não tinham salvação entraram em liquidação extrajudicial. Outros, com ativos como agências e clientes, foram vendidos sem que as dívidas e cobranças judiciais fossem no mesmo pacote. O Nacional – que foi o maior dos bancos a quebrar – teve sua parte boa vendida ao Unibanco (que depois, em 2008, seria vendido ao Itaú). O Bamerindus foi comprado pelo HSBC. O Econômico foi vendido ao Excel, depois incorporado ao Bradesco, que também tinha adquirido o Pontual. O programa de intervenção no sistema financeiro acabou acelerando o processo de concentração bancária no país, um fenômeno mundial. As partes podres de Nacional, Econômico e Crefisul existem até hoje e ainda devem quase R$ 30 bilhões ao Governo Federal.
Todo este processo que compreende uma série de fraudes bancárias que fomentaram as quebras e a intervenção do Governo precisa ser investigado profundamente e apurada as responsabilidades. Foram bilhões de reais de dinheiro público utilizados na tentativa de salvar o sistema financeiro de um colapso que mostrava-se iminente, nesta sendo, sempre que estamos diante do uso de dinheiro público a transparência e a publicidade tornam-se defesas inegociáveis.
O PROER manteve-se vivo até 2001, quando foi proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal que vedou aporte de dinheiro público para o saneamento do SFN (Sistema Financeiro Nacional).
Deve ser investigado pelos motivos relatados, mas o programa prestou serviço de grande utilidade a nossa economia, precipuamente em 2008 com a crise econômica mundial, quando os bancos brasileiros mantiveram-se saudáveis. Representou ainda um marco na forma como as instituições de controle, em especial o BC passaram a fiscalizar as instituições financeiras do país a partir das regras implementadas.
É preciso apurar se houve qualquer tipo de locupletação com dinheiro público de banqueiros, intermediários, e gestores deste dinheiro público. A utilização de dinheiro público para salvar instituições privadas por si só já gera certo arrepio à nós publicistas, assim com maior razão o que ficou obscuro no procedimento investigatório deve ser novamente investigado com as necessárias quebras de sigilos sempre que houver a necessidade de que o povo tome conhecimento dos fatos de outrora. É a mesma lógica do DAIP [direito de acesso a informação pública], que vínhamos abordando em relação aos escândalos do atual governo aplica-se aos governantes do passado. A limpeza, a aberturas de todas as caixas pretas que revelarem-se suspeitas devem ter solução de continuidade, independente da bandeira partidária que esteja ou estivesse no comando do país. Ponto para o MP Federal que trabalhou pelo desarquivamento.
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