1) A “saída” para “delimitar a Lava Jato” tem que ser “política” (disse Sarney). Só um “pacto pode estancar a sangria” (afirmou Jucá). Também “temos que aprovar novas leis sobre delação, leniência e fazer o STF rever sua jurisprudência sobre a execução da pena depois do segundo grau”, asseverou Renan, que acrescentou: “O Procurador-Geral da República é um mau-caráter”. “E todo mundo está com medo, porque a situação está grave e vai piorar com as delações das empreiteiras” (Renan).
2) Quem sempre pagou o pato (todos os que não têm laços de amizade e acesso às relações privilegiadas do poder oligárquico extrativista e corrupto), com certeza, não vai engolir o “pacto” diabólico de preservação das elites/oligarquias (econômicas e políticas).
3) A Lava Jato, como estamos vendo, pela primeira vez no Brasil, está incomodando e acuando essas velhas e apodrecidas elites/oligarquias econômicas e políticas (presentes em praticamente todos os partidos), que sempre exerceram o poder (fundamentalmente) em benefício delas, sugando-se do Estado e do povo tudo em favor seus interesses (dinheiro, privilégios, relacionamentos acessíveis, interferência no Judiciário, manipulação de processos, de prazos prescricionais, financiamentos lícitos e ilícitos de campanha etc.).
4) O ponto chave da questão é que essas instituições extrativistas (saqueadoras) não caem das nuvens como chuva nem brotam da terra como grama. São criações da sociedade (logo, transformáveis, removíveis, elimináveis). Quando as instituições são inclusivas, promovem o crescimento econômico sustentável. Quando extrativistas, obstaculizam a inovação e o uso das novas tecnologias (porque a extração, o saqueamento, fazendo do humano um mero “carvão” – ver Darcy Ribeiro - pode ser feito com tecnologias antigas, tais como as que exploravam escravocratamente a cana-de-açúcar nos séculos XVI, XVII e XVIII).
5) Os países fracassam (esse é o caso do Brasil, cujo PIB per capita cresceu de 1985 a 2012 apenas 1,4% ao ano – ver Marcos Mendes – e se considerarmos o período de 1985 a 2015 o número cai para 1,2%) “quando adotam instituições econômicas extrativistas (sugadoras), sustentadas por instituições políticas extrativistas (que só pensam nelas e nos seus financiadores), que impedem e até bloqueiam o crescimento econômico ou promovem crescimento econômico insustentável” (Acemoglu e Robinson, Por que as nações fracassam).
6) A politicagem extrativista e corrupta no Brasil funciona assim: para evitar que Sérgio Machado vá para a jurisdição do Moro (morofobia), “vamos falar com Teori, vamos chamar o César Rocha (ex-ministro do STJ, é “nosso cúmplice”, disse Sarney); vamos falar com Eduardo Ferrão (advogado)” (falas de Sarney e Renan). Os donos cleptocratas do poder acham que podem tudo, que estão acima da lei e da República. A Lava Jato está fazendo sua parte para limitar os poderes dessas elites/oligarquias. A outra parte só pode ser feita pela sociedade civil (por meio de uma revolução sem violência, digital, que já começou, mas ainda tem muito por fazer). É hora de abandonar todos esses velhos partidos corruptos assim como seus apaniguados do mercado extrativista, cartelista; eles são, na verdade, os verdadeiros inimigos do bem comum. Se não houver união de todos, não faremos nunca a necessária revolução do século XXI, que é digital (não armada).
7) A forma extrativista, corrupta e concentrada de exercer o poder político e macroeconômico, normalmente invisível, foi escancarada pela Lava Jato e, agora, pelos áudios vazados (de Sarney, Renan, Jucá etc.). O que todos sabíamos se confirmou: é público e notório que não são critérios técnicos ou jurídicos (do Estado Republicano de Direito), muito menos éticos, os que guiam a tomada de decisões das elites/oligarquias dominantes. A essência da República Velhaca brasileira continua sendo troca de favores (o toma lá, dá cá, que estamos chamando de “tomaladaquismo”), complementado pelo clientelismo (que pressupõe hierarquia no relacionamento).
8) No coração do jogo do poder extrativista reside evidentemente o “jogo de influências”, ou seja, quem nomeou quem, quem tem acesso a quem, quem pode falar com quem (mesclando-se completamente o público com o privado). Não é o ordenamento jurídico e muito menos a impessoalidade o condutor do ato político. A lei não passa de instrumento para coagir e intimidar os adversários ou inimigos, quando for o caso, quando for conveniente. Em favor dos amigos o benefício, contra os inimigos a lei. E se a lei se volta contra os donos do poder, logo eles começam a tramar “um pacto para estancar a sangria” (Romero Jucá). Num dos trechos do áudio Sérgio Machado (ex Transpetro) conclama pela intervenção do Renan (para falar com Teori):
9) MACHADO - E ela [Dilma] foi louca, ela viu essa porra e achou que dava. Renan, se você está no governo e começa o incêndio, estando ou não no meio, você tem que apagar, tá dando merda. Você não pode deixar o fogo subir. Esses são os caras. Não podemos deixar essa porra para baixo de jeito nenhum. Você acha que o [advogado Eduardo] Ferrão tem força sobre ele [Teori]?
RENAN - Acesso. Nesse primeiro momento é o acesso.
10) Para os amigos vale o favoritismo, a influência, a deferência paralela à lei, o tráfico do amiguismo e do clientelismo. Tudo isso faz parte da nossa cleptocracia arraigada, que significa o Estado governado macro e microinstitucionalmente por barões extrativistas e/ou barões ladrões, que nunca tinham sido combatidos seriamente e sistematicamente. A Lava Jato é que está mudando esse cenário. Justamente por isso é que ela está sendo atacada.
11) Se um estrangeiro quisesse saber como se exerce o poder no Brasil e como suas instituições (extrativistas) estão estruturadas, bastaria ouvir os áudios gravados pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que gravou diálogos com o senador Jucá (PMDB-RR), o senador Renan (PMDB-AL) e o ex-presidente Sarney (PMDB-AP). Aí se vê, nos quatro, mandonismo, coronelismo, caciquismo, em suma, extrativismo idêntico ao dos aventureiros invasores do Novo Mundo (que apenas pensavam em sugar, roubar, extrair, saquear, se apropriar). Os piores costumes do Velho Continente (Europa) foram levados para as Terras Virgens (Novo Mundo). Ninguém mais autorizado para exprimir a mentalidade extrativista que Cristóvão Colombo: “O ouro, que coisa maravilhosa, quem quer que o possua,, consegue tudo o que deseja” (Brioschi, Breve história de la corrupción).
12) Nesses áudios vemos a politicagem da pior espécie, descaradamente fisiologista, o nível deplorável das instituições políticas e suas relações espúrias com as elites dos poderes econômicos, corporativos e jurídicos. É a cacicagem desqualificada, que funciona como um “câncer” que vai necrosando os farrapos institucionais criados, até deixá-los irreconhecíveis. Não vale a pena defender os carcomidos políticos e partidos do extrativismo, que são a continuidade das explorações das populações nativas do Brasil assim como do sinistro comércio escravagista de quatro séculos.
13) Eles merecem o esquecimento, porque não têm a mínima dúvida de seguir o concelho do personagem central do livro A mandrágora, de Maquiavel (citado por C. A. Brioschi, Breve historia de la corrupción), que retrata o despudor na Europa do século XVI. O frade Ligúrio diz: “Quanto à consciência, tem que ter claro este princípio geral: que onde há um bem certo [a corrupção, o extrativismo, o aproveitamento, o filhotismo, o enriquecimento ilícito, a cartelização, o compadrio] e um mal incerto [da pena, das sanções, da reprovação política ou pública, do castigo], não se deve nunca deixar o bem certo por medo desse mal incerto”. Esse é o princípio seguido pelos Renans, Sarneys, Jucás, Lulas, Dilmas, Aécios, Delcídios, Collors, FHCs, Agripinos e Temers da vida política brasileira.
14) Sem prejuízo dos avanços da Lava Jato, dentro da lei (ela é a maior inovação no controle da corrupção no Brasil e está gerando o efeito da “destruição criativa” de Schumpeter), necessitamos de uma profunda reforma política, que só acontecerá se imposta, tal como a Lava Jato, por mais uma microrrevolução popular sem violência (digital), que promova o devido expurgo dessa forma sinistra e macabra de exercer o poder, eliminando os benefícios vergonhosamente desfrutados pelas elites/oligarquias extrativistas. Quem sempre pagou o pato (quem sempre pagou os privilégios nababescos dos donos cleptocratas do poder), não vai aceitar de forma alguma qualquer tipo de “pacto” para bloquear o funcionamento da Lava Jato assim como a eclosão das microrrevoluções digitais. Cidadania vigilante é o melhor antídoto ao saqueamento da República.
(Luiz Flávio Gomes, jurista e comentarista do Jornal da Cultura às terças-feiras).
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