Este é o nome do esquema clandestino que o bicheiro Carlinhos Cachoeira
utilizava para lavar milhões de dólares do seu grupo criminoso. O método é
usado por grupos terroristas como a Al-Qaeda de Bin Laden. Saiba como ele
funciona. Alan Rodrigues e Pedro Marcondes de Moura -
REVISTA ISTO É N° Edição: 2216, 29.Abr.
Nos próximos dias, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do
Congresso que investiga as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira com políticos
e empresários receberá do Supremo Tribunal Federal (STF) os dados da Operação
Monte Carlo, desencadeada pela Polícia Federal, que apurou a jogatina no Brasil e
seus tentáculos com o poder. Os parlamentares terão acesso a informações que
revelam como o contraventor operava para lavar o dinheiro sujo do jogo do bicho e
da corrupção. Segundo o inquérito da PF, Cachoeira utiliza um dos mais sofisticados
e eficientes modelos de lavagem de dinheiro do mundo, conhecido como Operação
Hawala. Trata-se, segundo a PF, do mesmo esquema utilizado pela rede terrorista
Al-Qaeda, criada por Osama bin Laden para financiar atentados. Documentos que
fazem parte do inquérito mostram que, a partir da Operação Hawala, o grupo de
Cachoeira conseguiu movimentar mais de US$ 400 milhões em três continentes e
oito países – Argentina, Uruguai, Estados Unidos, Antilhas Holandesas, China,
Coreia do Sul, Irlanda e Reino Unido.
A grande artimanha do sistema adotado por Cachoeira e terroristas internacionais é
que ele não envolve remessas físicas de capital, tampouco documentos escritos.
O que existem são trocas de créditos lastreadas na palavra – no estilo “eu confio
em você”, o popular “fio do bigode”. O objetivo é não deixar rastros. Por isso ele é
considerado um inferno para quem investiga crimes de lavagem e evasão de divisas.
Com base nos preceitos da Hawala, que em árabe significa “transferência de
significados”, o esquema de Cachoeira de lavagem de dinheiro, segundo as
interceptações da PF, funcionava da seguinte maneira: os operadores do bicheiro,
incluindo um doleiro, pediam verbalmente para outro doleiro no Exterior que
determinado pagamento fosse efetuado. No Exterior, o doleiro pagava o receptor.
Para receber o dinheiro, no entanto, o receptor era obrigado a dizer uma senha,
previamente combinada com o grupo de Cachoeira. O operador Hawala no Exterior
ficava com o crédito no Brasil que poderia ser pago não só em espécie, mas em
imóveis, carros, entre outros bens (ver quadro).
O relatório 163/2011 da Polícia Federal, parte integrante do processo que está no STF,
apresenta com riqueza de detalhes o esquema de evasão de divisas montado por
Cachoeira. Nele aparecem o ex-cunhado do contraventor, Adriano Conrado Caiado
Viana Feitosa, Wesley José Carneiro e Geovani Pereira da Silva, segundo a PF,
respectivamente, o doleiro e o contador do bicheiro, além de Lenine Araújo de Souza,
gerente-geral de Cachoeira. Entre os milhares de e-mails interceptados – só de Pereira
da Silva foram 15 mil e-mails –, a PF conseguiu constatar quem é quem no esquema
Hawala. Às 0h14 do dia 5 de agosto de 2011, por exemplo, Conrado envia uma
correspondência eletrônica para Lenine na qual deixa claro que o responsável do
esquema para a Operação Hawala era o doleiro Wesley, preso na tarde da quarta-feira
25 em Goiás. “Não há necessidade de copiar Wesley nos e-mails, ele foi contratado
somente para fazer a remessa de dinheiro”, disse Lenine. Em outros diálogos
interceptados em maio de 2011 entre Gleib Ferreira da Cruz, segundo a PF, “o braço
direito de Cachoeira para qualquer assunto na organização criminosa”, e Leide, irmã
de Gleib, a quadrilha fornece mais elementos sobre o funcionamento do esquema:
“O negócio é fazer a transferência sem causar problema. Precisa colocar o dólar aí
no Brasil em real e você por aqui em dólar. Só trocando moeda, sem problema.”
De acordo com o relatório da PF, “Gleib auxilia diretamente Carlos Augusto na
alocação de recursos de suas atividades ilícitas na aquisição de bens, circulação de
valores, no pagamento de terceiros, comparsas e/ou prestadores de serviços, na
aquisição de telefones no Exterior; imóveis, de veículos e também nas operações
não autorizadas de câmbio e na remessa de valores para fora do país”.
De acordo com as apurações da PF, para lavar o dinheiro irrigado pelo bingo e pela
corrupção, a organização criminosa montada pelo bicheiro construiu uma rede
criminosa que envolve 38 empresas ativas. Muitas delas no Exterior, como a
offshore uruguaia Raxfell Corp., com conta-corrente na Argentina e fundada no
paraíso fiscal de Curaçao, nas Antilhas Holandesas. Mas os grampos telefônicos
mostram que os negócios de Cachoeira não se resumem a um só continente.
Passam também pela Ásia e Europa.
Na Coreia do Sul, por exemplo, o contraventor é acionista da Bet Co,
na província de Kyunggi.
Na Irlanda, Cachoeira comprou por um R$ 1 milhão um site de apostas,
o Brazilbingo.
A compra do site de apostas pelo contraventor fica clara na documentação
apreendida pela PF. Os documentos mostram que Cachoeira creditou o dinheiro
no Bank of Ireland via Estados Unidos. “O contato de 06/07/2011 às 11:24:21,
entre Lenine, Estados Unidos e Reino Unido, confirmam essa dinâmica”,
diz o inquérito.
Outra interceptação telefônica mostra que, por meio da Operação Hawala, Cachoeira
celebrou negócios na China. Numa das conversas gravadas pela PF, Gleib conversa
com Ananias, um policial militar de Goiás e segurança dos cassinos de Cachoeira,
sobre as transações no continente asiático.
Ananias – Eu preciso fazer um pagamento na China, de duzentos mil dólares, sem
declarar. Quanto cê cobra para pôr esse dinheiro lá pra mim?
Gleib – Vou ver. Duzentos mil?
Ananias – Duzentos mil. A máquina custa duzentos mil dólares. É um amigo meu,
só que ele não quer para não declarar aqui pra eles. Cê me fala quanto cê cobra pra
nós pôr esse dinheiro lá pro cara?
Gleib – Tá.
A partir desta conversa, a PF concluiu que “o uso extensivo de conexões, como
relações familiares e societárias, é o componente que a distingue de outras formas de
remessas. As regularizações de dívidas entre corretores Hawala podem tomar uma
variedade de formas (como bens, serviços e propriedades)”. É com base nesses
novos trechos do inquérito da PF que os parlamentares indicados para a CPI do
Cachoeira pretendem dar a dimensão do esquema e chegar aos responsáveis pela
lavagem do dinheiro sujo do jogo do bicho e da corrupção.
Antes mesmo de os trabalhos começarem, as investigações já causam
desdobramentos. Na quarta-feira 25, Fernando Cavendish, presidente do conselho diretor
da Delta, e Carlos Pacheco, diretor da construtora, pediram afastamento da empresa
após as investigações indicarem elo entre eles e o pagamento de propina para
autoridades de diversos escalões. No meio político, o governador do Distrito Federal,
Agnelo Queiroz (PT), passou a ser alvo de investigações da Procuradoria-Geral da
República, junto com os deputados federais Carlos Leréia (PSDB-GO), Sandes Júnior
(PP-GO) e Stepan Nercessian (PPS-RJ), por suspeitas de ter se beneficiado do esquema
criminoso, que a cada dia revela novos tentáculos.